Olhemos juntos o mundo e aquilo em que ele se tornou. Não é uma ilusão, mas uma realidade dramática que o pensamento humano construiu. Ele elaborou estas ideias de competição, de agressividade, de ganância, uma moralidade baseada sobre o sucesso e o proveito. A ideologia dominante faz-nos tomar por natural este momento da história, que não é mais do que um momento do pensamento humano. Hoje, o nosso próprio espírito está assustado pelo que ele próprio produziu, angustiado perante o estado do planeta e das relações conflictuosas que ele tem gerado. Ele procura a paz, a beleza, o amor, através de novas teorias, de novas igrejas, de novos ideais, ou de novos salvadores, na ligação com pessoas próximas, família, amigos, ou através de bens materiais. Procura sempre no exterior. À medida que o mundo se torna mais complexo, mais materialista e conflictuoso, nós perdemos o contacto com nós próprios e afundamo-nos numa pobreza interior, oscilando entre prazer e desespero, esperança e angústia, presos pelo conflito dos opostos. Estamos convencidos que é isto, viver. Habituámo-nos à luta constante com os outros, com nós próprios, com a natureza, com a vida. Reduzimos a nossa existência a um conjunto interminável de batalhas, de submissões e de sofrimentos. Eles não têm mais qualquer sentido, deixaram de fazer sentido dado que, imaturos, egoístas, nós somos incapazes de ser totalmente responsáveis de nós próprios, do nosso comportamento, dos nossos actos. Será possível viver de outra maneira? Será que podemos sair deste caos gerado pela brutalidade e pela avidez? Será que somos capazes de viver em paz e em amizade uns com os outros? Paremos um instante e façamos estas perguntas a nós próprios, sem tentar obter de imediato respostas pré-concebidas, com base nos nossos saberes, nas nossas crenças, nas nossas experiências memorizadas, sem reivindicar a adesão a um ideal, a uma igreja, a uma autoridade, a um salvador.
Tal como seres humanos, somos completamente responsáveis do estado do mundo. Cada um de nós, na sua vida quotidiana, contribui à agressividade, à avidez, à miséria. Será que temos a coragem de olhar isto, sem justificações, nem culpabilidade? Simplesmente ver os factos, sem preconceitos, sem qualquer condicionamento cultural, religioso, político? Esta proposta de ver claramente, com simplicidade, com humildade, não se dirige àqueles que estão satisfeitos com eles próprios, com o seu espírito agressivo e cupido, àqueles que tiram o seu proveito ou a sua segurança do sistema económico e social, àqueles que estão bem enraízados nas suas crenças ou ideais, nem àqueles que pensam que somos umas marionetas accionados por uma força cósmica. Ela dirige-se àqueles que, sinceramente, profundamente, ressentem a exigência de que mais bondade e amor circulem nesta terra, assim como a necessidade de pôr termo à confusão, ao conflito e à violência em nós próprios. Àqueles que advinham que a desordem, o quebrar e o sofrimento deles e deste mundo não são inevitáveis. Àqueles que não se vêem como seres separados, com as suas ideias distintas, no interior de barreiras culturais, políticas, económicas, mas que perceberam que nós formamos uma só mesma humanidade.
O mundo está à beira da catástrofe e nós estamos a debater novos esquemas económicos, sociais, que não serão mais que respostas superficiais, não adaptadas à realidade presente, todas elas oriundas dum passado memorizado que só gerou dramas. O pensamento humano produziu este estado de desordem planetária, dividiu os homens em comunidade nacionais, religiosas, económicas que se combatem, e é este pensamento que tenta resolver os problemas que ele próprio criou. O pensamento é parcial, fragmentado, limitado pelo saber acumulado e pelas experiências do passado. Persuadidos que a sua capacidade de adaptação, a sua habilidade a analisar, a argumentar, são a inteligência, utilizamos o pensamento sem ver os seus limites, a fim de estabelecer a paz em sociedades onde a confusão e o conflito são os seus produtos. A organização social e económica que edificamos, assim como todos os modelos que procuramos criar são edificados por este mesmo pensamento. Ele é por natureza factor de oposições e de conflictos, porque ele consiste em separar. Um pensamento fragmentário, contraditório, só pode criar desordem. Forjado por condicionamentos históricos, medos enraizados, ele nunca poderá trazer a mudança. A verdadeira transformação está para lá do pensamento. Ela reside numa visão holística da vida, do seu movimento global tal como ele é, e não numa análise fragmentada, a partir de pontos de vista dogmáticos ou ideológicos.
É assim que nós vivemos: num mundo de ideias contraditórias que nos fazem acreditar que se nos ligarmos a noções de paz, de generosidade, nos vamos livrar da violência e da cupidez. Nós moldamos ideais para nos livrarmos do desastre que se desenrola aos nossos olhos, mas eles jamais são conseguidos. Estabelecemos uma separação entre a realidade e aquilo que deveria ser, que nos leva a cair na confusão e no desespero. Agimos a partir duma ideia, mas não há nenhuma novidade, nenhuma liberdade nessa acção que é apenas uma reacção, constituída pelo nosso saber e pelas nossas experiências acumuladas. Não podemos contar com o pensamento para criar qualquer coisa de completamente novo. Ele nunca vê os factos no mesmo instante em que eles surgem. Ele pode compreendê-los num lapso de tempo muito curto, mas nesse intervalo de tempo aparecem logo subtilmente desejos, medos, imagens que edificam um mundo que não é mais a realidade tal qual ela é. O pensamento engana-nos, manipula-nos, tanto mais quanto ele é de ora avante complexo, hábil. Com as suas opiniões, os seus preconceitos, as suas condenações, as suas justificações, ele tornou-se um meio de fugir aos factos, transformando-os em abstracções. Ora, os factos estão presentes, tal qual são, ainda que o pensamento tenha alguma dificuldade em o admitir. Como só entramos em contacto com eles através das nossas ideias, acabamos por ter medo. O medo só existe pelo pensamento. Ele tenta traduzir a realidade a fim de encontrar uma segurança, uma permanência que nenhum acontecimento vá perturbar. Ele cria assim um ideal, uma crença, um sistema de pensamento que transporta nele as sementes da violência e da infelicidade. Assim, depois de ter adorado aquilo que ele próprio criou, nós pomo-nos a detestá-lo. Não é um novo sistema de pensamento elaborado para reorganizar as relações sociais, políticas, económicas, que vai resolver os nossos problemas, mas uma visão e uma conduta justas, livres de todos os nossos condicionamentos religiosos, ideológicos, psicológicos, livres de todos os nossos objectivos de proveito, de reconhecimento egótico, de poder. Porque o caos actual não é mais do que a projecção do nosso campo de batalha interior.
O estado actual da sociedade é o resultado da vontade de cada um de ter sempre mais prazer, sempre mais sucesso e reconhecimento. Todo o desejo de ser considerado pelos outros é uma agressão, mesmo no caso daquele que veste a roupa do sacerdote ou do mestre espiritual. Somos todos cheios de desejos que nos tornam dominadores. Procuramos esconder esta violência profundamente ancorada nos nossos corações, jogando uma comédia hipócrita com os outros e com nós próprios, por necessidade egótica de respeitabilidade. Todos conhecemos o jogo desonesto dos políticos, que consiste em prometer um paraíso que se transforma, no melhor em desilusão, no pior num inferno. Sabemos o que valem as suas promessas, e no entanto, escolhemos sempre o mais astuto, o mais ambicioso, aquele que sabe melhor enganar-nos para conseguir chegar aos seus fins, aquele que é o mais hábil a utilizar fórmulas ocas que respondem a um ideal colectivo. Porquê? Porque somos incapazes de viver sem ideal, sem a projecção duma realidade oriunda da acumulação das nossas opiniões. Nunca aprendemos a viver sem crenças, que resultam todas dum medo, duma submissão a uma autoridade. Nós não sabemos simplesmente ajustarmo-nos àquilo que somos, adaptarmo-nos ao movimento da vida em nós. Nós preferimos contar sobre uma autoridade, política, religiosa, espiritual, que nos vai ditar do exterior regras de conduta, métodos de transformação, mesmo que o preço a pagar seja a restrição do nosso espaço de liberdade. Será que é possível de viver no momento presente, sem projecções, ver os factos tal qual eles são, e de não considerar só a ideia que temos deles, olhando-os sem os condenar ou os justificar, sem tentar de encontrar a teoria ou a ideologia que os vai banir? É a primeira pergunta a fazermos a nós próprios. A partir do momento em que aceitamos a subjugação à autoridade dum político, dum salvador, dum dogma religioso, duma ideologia política, nós temos de batalhar para nos conformarmos com a nossa escolha. Sedentos de certezas, atormentados pela necessidade de segurança, a nossa submissão cria um conflicto em nós mesmos, uma separação entre aquilo que nós vimos, vivemos, e a nossa ideia daquilo que deveria ser a nossa exigência de fabricar uma realidade diferente daquela proposta pela vida. Esta contradição vivida em permanência é fonte de violência interior. Será que somos capazes de ver que aceitamos de viver na submissão, no recalcamento, fechados num mundo de ideias contraditórias, procurando formar um ideal perpetuamente movediço? Podemos ver todas as formas de violência em desenvolvimento na sociedade. Será que somos capazes de as reconhecer em nós, nas nossas crenças, nos nossos desejos, nas nossas inimizades, nos nossos ciúmes, nosso sexismo, nosso desprezo pelo fraco, pelo pobre, no nosso nacionalismo, na nossa cupidez… Se me sinto responsável da violência do mundo, é importante de tomar consciência daquilo que me separa do resto da humanidade. A estrutura psicológica da sociedade é o reflexo da relação de cada um de nós com os outros, onde predominam as necessidades de ligações, de segurança, de dependência, de dominação ou de submissão. Nunca nós pomos em questão estas formas de fuga da realidade. Na procura da felicidade, nós procuramo-la nas dependências afectivas, nas submissões a mestres que nos ditam regras de vida, nas adesões a crenças religiosas ou ideologias políticas, nas necessidades de possessão material e dominação dos outros. Todas estas formas de submissão levam ao conflito, à violência, à exploração mutual e ao sofrimento. Para evitar de sofrer, atordoamo-nos com distracções, com trabalho escarnecido, ou então procuramos o desprendimento, que é ainda uma busca do prazer, um refúgio seguro para o ego. Uma sociedade onde cada um dos seus membros vive separado, fechado nas suas expectativas egóticas, sem verdadeiro contacto com os outros, é uma sociedade conflictuosa, unicamente fundada sobre a utilização recíproca.
A vida só existe pela relação. Todos os seres vivos comunicam. A história deste mundo é uma história de relações que construímos em conjunto, uns com os outros. Se as nossas relações com os familiares, com os amigos, com os profissionais são relações reduzidas a confusão, oposição, dominação, como podemos ficar espantados do caos deste mundo? Nós construímos grandes teorias para salvar o mundo do desastre, para operar uma grande transformação nas relações sociais, mas a verdadeira e profunda mudança está situada bem perto de cada um de nós. Qual é o estado das nossas relações com os nossos próximos? Suficientemente agradável, afável, benevolente? A nossa cabeça está cheia de ideais, de conceitos a propósito de solidariedade, justiça, progresso social, mas será que o nosso coração está suficientemente cheio de beleza e amor? O problema é que nós separámos o intelecto da nossa sensibilidade, a nossa capacidade de análise da nossa capacidade de percepção. Dando proeminência às nossas faculdades intelectuais, à expressão totalitária das opiniões sobre todos os domínios da vida, nós separamo-nos da sua realidade, afastamo-nos do “vivo”, daquilo que é do instante a instante. Nesta distância, encontra-se a nossa incapacidade a comunicar, a partilhar as nossas compreensões e os nossos sentimentos, a amar sem desejo de possessão ou necessidade de dependência, a dar e receber com confiança. Nesta distância, encontra-se a infelicidade do mundo.
O verdadeiro contacto só pode existir quando o espirito está silencioso. Será que nos questionamos porque é que o espírito se sobrecarga tanto com este peso das opiniões e das crenças que impedem de ver exactamente aquilo que é? Todas as nossas relações são falseadas por este fardo que sobrecarrega o nosso espaço interior. É necessário que olhemos com lucidez a causa essencial dos nossos conflitos pessoais e mundiais. Enquanto os nossos espíritos estejam cheios de tagarelices incessantes, de desejos de proveito e de dominação, deste fluxo de mediocridade e de vulgaridade colectiva, eles irão manter-se confusos. Só o espírito silencioso pode permitir, ao que em nós é imutável, tranquilo, de ver claramente. As acções que daí resultam, são sempre justas, pois são livres de qualquer desejo de satisfação, de reconhecimento. Elas aparecem espontaneamente dum espaço vazio e não da actividade dum pensamento superabundante. A energia deste espaço é aquela da fonte de onde tudo emerge. Ela é a observação silenciosa daquilo que se desenrola. Presença para lá do tempo psicológico e da história dos homens. Ela é a Consciência, o “Sou” eterno, que vê o que aparece e desaparece, que permite à existência revelar-se. Quando o nosso olhar é aquele desta energia-conhecimento directo, a montante da manifestação, ele engloba tudo: a origem, o desenvolvimento dos fenómenos e o seu retorno à fonte. A observação tem lugar sem aquele que se toma por actor com as suas opiniões, os seus julgamentos. O pensamento e as suas contradições não intervêm mais para trazer mais confusões nas nossas existências. O conhecimento dos factos é directo, a compreensão de cada coisa é imediata e global. Não se trata mais de pensar, mas de realizar o mecanismo dos hábitos e das reacções do nosso espírito, de soltá-lo de todo este condicionamento histórico, cultural e social que o torna incapaz de penetrar no coração das coisas sem rejeitar ou aprovar. É uma visão que tem lugar na nossa vida quotidiana. O espírito, longe de estar adormecido, está vivo, claro, atento. Ele é o instrumento eficiente que permite ao ser plenamente consciente de se libertar, sem esforço, de todos os condicionamentos pessoais e sociais que o abafam. Nesta visão instantânea das coisas tal qual elas são, sem sobreposição de crenças e de certezas, encontra-se a liberdade.
Ver, simplesmente, de instante em instante, não a partir duma ideia, mas daquilo que se passa realmente em nós e à volta de nós, sem estabelecer qualquer divisão entre o interior e exterior, porque ela não existe. A vida é uma. Este mundo que nós criámos e os nossos movimentos interiores estão intrinsecamente ligados. Enquanto formos individualmente violentos, o mundo também o será. Ele continuará a gerar ódio e miséria enquanto nós não tivermos descoberto quem somos verdadeiramente. Temos de fazer este trabalho de discernimento entre as nossas flutuações mentais que seguem as circunstâncias, moldadas, condicionadas pelas nossas experiências e o nosso ambiente, e aquilo que é visão além do tempo, além da história, olhar que não depende do desenrolar dos fenómenos, atenção sem objectivo e no entanto plenamente consciente em cada instante. A vida inteira, com todos os seus possíveis, está contida neste instante que se renova perpetuamente. Trata-se de a ver como um todo e não a partir dum ponto de vista pessoal, isolado. Trata-se também de a ver na integralidade do nosso ser e não em cada um dos seus aspectos particulares que amamos ou condenamos. Assim, poderemos ver a unidade de todos os seres vivos. As verdadeiras acções resultam desta visão holística. O resto não é mais do que uma agitação egocêntrica, desenrolar de ideais projectados pelo pensamento, pela vontade de dominação. A verdade é, no instante, aquilo que nós somos integralmente. Ela está no facto tal qual ele surge e na percepção aguda que temos dele. Esta percepção é sem contradições, sem exclusões. Ela reside na atenção quotidiana ao que pensamos, dizemos, fazemos, sem juízos, na plena consciência das nossas reacções inadaptadas à realidade e que indicam a que ponto somos condicionados. Não existe verdade abstracta.
Abafados pelo peso das estruturas sociais cada vez mais complexas que os dirigentes dos países e os peritos em todos os géneros reforçam deliberadamente, esquecemos que viver é simples. E viver na simplicidade, no abandono de todas as nossas abstracções, é permitir ao amor de circular neste planeta. A visão real, sem o pensador, é o amor. Quando não existe aquele que cria uma distância por intermédio de imagens, de conceitos, de crenças, o amor está presente. Porque ele é a Realidade. Ele não é o oposto do ódio: ele é a energia do universo, eternamente em movimento, cuja fonte é o vazio, um silêncio intenso, com uma pulsação única. Sabemos bem que a via do amor é a única que conduz ao desabrochar da vida sobre esta terra. No fundo de nós, nós sabemos, há muito tempo, que esta energia bem real, mas que se tornou para nós uma palavra oca, é a única solução para todos os problemas da humanidade. Ora, não pode haver amor nas relações entre os seres humanos se cada um deles for prisioneiro do conteúdo do seu pensamento. É pelo facto de estarmos cada vez mais cheios de ideias que amamos cada vez menos. Não pode, também, haver amor se cada um persegue mais prazer, mais sucesso, proveito, reconhecimento social. Os nossos corações fecharam-se pouco a pouco pela repetição dos nossos reflexos mentais de adesão e submissão a crenças, a modelos impostos pelas autoridades religiosas, políticas e financeiras que destroem a nossa sensibilidade e a nossa alegria de viver. Conformamo-nos a uma moral que é a dos poderosos, ávidos, brutais, e que, portanto, é imoral. Educamos os nossos filhos de maneira a que eles obedecem a esta ordem estabelecida, alienante, e assim, a agressividade, a violência, os conflitos perpetuam-se sem fim. Com eles, o sofrimento… Se podemos ver tudo isto claramente, com o espírito tranquilo, o coração aberto, se podemos ter um olhar lúcido e suave sobre os nossos comportamentos contraditórios, sobre os nossos incessantes desejos egocêntricos, sobre os nossos preconceitos, sobre as nossas necessidades de segurança a qualquer preço, então o amor poderá nascer, neste contacto directo com a realidade. Claro que, esta energia é perigosa para aqueles que têm interesse em colocar barreiras, em perpetuar a competição entre os seres, a tudo controlar, legalizar, “moralizar”… Mas será que estamos tão inquietos em preservar esta imagem artificial de respeitabilidade que nos foi imposta, que não somos mais do que máquinas a obedecer?
Desde há séculos, que nos conformamos à autoridade de mestres que nos mergulham na confusão, no medo, em guerras incessantes, e presos neste campo de batalha perpétuo, não sabemos mais o que viver significa. Ora, viver não tem mestre, viver não tem dogma, não tem ideal. É um movimento livre, constituído de relações, de interconexões no visível e no invisível. Para ver este movimento, o espírito tem de estar silencioso. Este silêncio não é a paragem de toda a actividade cerebral. Ele é um imenso espaço em nós próprios, ele é aquilo que é infinito em nós, intemporal, e o que nos leva lá. Quando os nossos espíritos faladores, tumultuosos, - que calculam sem cessar, têm medo e se protegem - saberem ficar tranquilos, aquilo que está no mais profundo de nós poderá revelar-se. Não será jamais um novo sistema de pensamento ou de organização económica e social, reproduzindo os mesmos esquemas conflituosos, que irá criar um mundo de paz. Os nossos espíritos velhos, condicionados pela filiação a uma cultura nacional, a uma ideologia, a uma religião, a um grupo social, apenas poderão produzir a imitação. Ora, a vida é nova, criativa a cada instante, desconhecida aos nossos espíritos repetitivos. Toda a acção, para ter um real alcanço, deve ser oriunda do que é realmente, num movimento sem cessar renovado, e não partir duma abstracção. Fabricamos ideais atrás dos quais nos refugiamos. Eles são todos falsos e criam um abismo entre o pensador e os outros, entre a humanidade e a realidade dos factos, assim como uma contradição dentro de cada um de nós, fonte de todos os nossos males. O nosso pensamento disperso, sempre virado para o exterior à procura da unidade, mas inapto a ver cada coisa na sua totalidade, a ir além das categorias mentais, torna o nosso mundo absurdo. Temos da unidade apenas uma concepção intelectual, mas nunca a vivemos realmente. Nós só conhecemos da paz, do amor, apenas a palavra e não a realidade. Corremos incansavelmente em direcção a algo de que esquecemos a natureza, e desta forma, afastamo-nos da nossa interioridade, deste centro que engloba tudo. O conhecimento directo, a percepção holística dos factos encontra-se em cada um de nós, neste coração ao mesmo tempo pessoal e universal. Ver isto, é estabelecer um contacto imediato com o que é realmente, logo transformar a nossa qualidade de ser no mundo, modificar as nossas relações com os outros. Não se trata aqui de analisar, mas de ver os factos de maneira tão clara, tão directa, que o relâmpago da realização do que é verdadeiramente a vida surge instantaneamente. Nesta ausência de distância encontra-se o amor.
" Se nós progredimos, o mundo progredirá. Tal como nós somos, assim é o mundo.
Sem compreender o Ser, a que serve compreender o mundo. Sem o conhecimento do Ser, o conhecimento do mundo é sem interesse.
Mergulhai em vós próprios e encontrei o tesouro que lá se encontra escondido. Abri o vosso coração e vede o mundo através dos olhos do verdadeiro Ser "
Ramana Maharshi